quinta-feira, janeiro 25, 2007

O Príncipe Perfeito


Era uma vez um rei que vivia num pequeno reino à beira-mar… Podia começar assim a história de D. João II, rei de Portugal de 1455 a 1495. Era filho de D. Afonso V, a quem chamaram “O Africano”, devido às suas campanhas guerreiras no norte de África, e de D. Isabel de Urgel.
Com 16 anos acompanhou o seu pai na conquista de Arzila, onde foi feito cavaleiro, em 1471. Nesse mesmo ano casou com uma prima direita, D. Leonor de Viseu.
D. Afonso V iniciou cedo o seu filho nas tarefas da governação do reino. E o príncipe logo mostrou uma firmeza de carácter que não agradava aos nobres do reino, pois dizia-se que não dava ouvidos a intrigas e não ligava a pressões externas.
Quando subiu ao trono depois da morte de seu pai, em 1481, os cofres do reino estavam tão vazios que ele disse “herdo apenas as estradas de Portugal”. As primeiras medidas que tomou, vieram provar que os poderosos tinham razão para temê-lo; retirou-lhes regalias, equilibrando, assim, os poderes entre o Clero, a Nobreza e o Povo. E os que, chamando-lhe tirano, conspiraram contra ele, pedindo uma invasão de Portugal pelos reis de Espanha, foram presos ou executados por traição, dando-lhe assim espaço para governar.
Foi um homem de extraordinária visão estratégica e que concebeu um projecto extremamente avançado para a sua época, que era simultaneamente administrativo, cultural e económico e que colocou Portugal no centro do mundo: a exploração atlântica iniciada pelo seu tio-avô, o Infante D. Henrique 60 anos antes. Há historiadores que dizem que o projecto do caminho marítimo para a Índia foi concebido por D. João, quando, ainda príncipe, passou a ter a responsabilidade pela prática das navegações.
Com a percepção, que para Portugal ser uma grande potência, tinha que dominar o oceano Índico, mandou navegadores explorarem a costa Africana para sul, até que, em 1488, Bartolomeu Dias dobrou o Cabo da Boa Esperança, tornando-se no primeiro europeu a navegar no Índico, vindo de Oeste.
Não se conhece muito das descobertas portuguesas no seu reinado, pois era tudo mantido em segredo e os arquivos existentes foram destruídos no terramoto de 1755. Há quem defenda que os portugueses chegaram à América antes de Colombo. Daí a recusa do rei português em financiar uma viagem a este capitão, sem experiência atlântica, em busca de algo que já era do conhecimento da coroa portuguesa.
Depois de Colombo ter “descoberto” a América, e de se iniciarem disputas entre Portugal e Castela sobre o domínio dos mares, D. João tratou de negociar com Espanha um tratado, onde conseguiu que a linha divisória para as futuras descobertas, ficasse a 370 léguas a oeste de Cabo Verde e não a 100 como pretendiam os espanhóis.
O Tratado de Tordesilhas, prodígio da política externa de D. João II, atribui a Portugal um poder nunca antes atingido por qualquer potência. O mesmo estipulava que as terras a descobrir a leste deste meridiano seriam portuguesas, enquanto que a outra metade do mundo seria espanhola.
Diz-se que os portugueses já tinham chegado ao Brasil, muito antes de Pedro Álvares Cabral ter oficializado a descoberta no ano de 1500 e que este tratado preservou aquele pedaço do novo continente que Portugal queria reclamar no futuro.
Mas os êxitos que obteve como governante, não lhe trouxeram ventura na sua vida pessoal. Diz a História, que os reis católicos, seus primos, tiveram várias filhas, a mais velha casada com D. Afonso de Portugal, mas apenas um filho varão, de saúde frágil. Se este morresse sem deixar descendência, seria D. Afonso de Portugal, único filho de D. João II que iria herdar, não só a coroa portuguesa mas também a espanhola.
Depois de várias tentativas falhadas, dos reis de Espanha, para dissolverem este casamento, em 1491 o príncipe português morre de uma misteriosa queda de cavalo à beira do Tejo. Acidente? Atentado? Nunca ficou provado.
Com um problema sério de sucessão, durante os quatro anos seguintes, os últimos da sua vida, D. João II, destroçado pelo desgosto da morte do seu herdeiro, ainda tenta legitimar junto do Papa, um filho bastardo, D. Jorge, duque de Coimbra. Sem sucesso. Nomeia então D. Manuel, duque de Beja, seu primo e irmão da rainha.
O rei faleceu em 1495, em Alvor, com apenas 40 anos de idade e vítima de uma estranha enfermidade. Suspeita-se de envenenamento. Naqueles tempos, tal como hoje, o veneno era a arma cobarde do inimigo.
Quando Isabel, a Católica, soube do falecimento do seu primo, comentou com admiração e alívio: “Morreu o Homem”, frase que confirma a grandeza do rei.
D. Manuel, seu sucessor, foi colher os frutos da sua obra. Pouco depois, as armadas portuguesas atingem a Índia, espalham-se pelo Oriente e “acham” o Brasil. É o início do Império. Seguir-se-ão décadas de ouro para Portugal, onde começam a chegar as riquezas vindas das terras descobertas.
Não quis o destino que D. João II visse o triunfo do seu projecto. Diz Rui Pina, na “Crónica de D. João II” que ele “foi um príncipe mui justo e mui amigo de justiça” e que “as leis que a seus vassalos condenavam, nunca quis que a si mesmo absolvessem”. E este sentido de justiça tornou-o querido do povo.
Promoveu a centralização e modernização do Governo e um estado aberto a novas ideias. Na política externa preferiu sempre a diplomacia à guerra.
Chamaram-lhe “O Príncipe Perfeito”.
Maria de Portugal
(Publicado na "Gazeta da Lagoa")

3 comentários:

Anónimo disse...

Será que a Providência só nos destinou um "Príncipe Perfeito"?

Carolina disse...

Que bela lição de História!
E musicalmente muito bem ilustrada!
Parabéns!

Anónimo disse...

Uma vida tão curta e uma obra tão grande!Visão para além do seu tempo, acção grandiosa e vontade férrea, um Homem de que Portugal tanto precisa nos dias de hoje!