domingo, janeiro 28, 2007

A Casa!



Acordo!
A linha do horizonte é rasgada pela claridade da força do sol. Mais um dia, vazio, sem vida, igual a tantos outros que tem sido ultimamente a minha longa existência.
Os raios de sol, quentes e dourados espraiam-se pelas minhas entranhas, mas não me aquecem, nem tão pouco me dão vida. Ainda estou de pé, mas o abandono e a erosão do tempo, desventra todo o meu ser. Sempre fui pequena e muito pobre, mas havia vida no meu interior. Hoje o que me conforta neste lento desmoronar, são as recordações que povoam todos os meus recantos vazios, frios, despidos da essência de vida.
Acolhi no meu interior, conforme pude, uma vasta família, pobre, muito pobre, viviam somente do seu trabalho duro e mal pago.
Fui erguida a braços, como todas, máquinas e tecnologias não existiam, nesses tempos recuados de poucos recursos e saberes.
Pelas minhas telhas vãs, agora parcialmente partidas, entrava o prateado da lua cheia, enchendo o meu interior de sombras e reflexos de formas indefinidas, e nas frias noites dos duros Invernos, a falta de conforto obrigava toda a minha família a proteger-se no aconchego de vários corpos, descansando, no mesmo colchão de folhas de milho.
A dura pobreza era constante, mas fui sempre estimada e preservada. Era sempre com muita alegria que todos os anos as minhas paredes eram limpas. As barras muito azuis e a alvura da cal davam-me um encanto de uma princesa de conto de fadas, e nos meus canteiros, havia sempre a beleza das sardinheiras floridas ao sol da amena Primavera. Ao lado existia a pequena horta, bem tratada, aconchego do mísero orçamento familiar.
No meu interior juntei três unidas gerações, pais, filhos e netos. Conheci acanhamentos e diabruras, muitas tristezas e alguns lutos, mas também, amor e ternura. Vibrei com o milagre dos nascimentos, horas de muita aflição e dor, mas compensadas com a alegria e a esperança de um novo ser a quem eu podia dar guarida no pouco conforto que tinha para oferecer.
Não sei de ninguém. Partiram uns para o descanso eterno, outros para novas paragens, obrigados pela falta de recursos económicos e por leis criadas pelos homens em que o seu lema é a conservação, mas no entanto, sem eu perceber, o puder central deixa-me desmoronar lentamente, sem nada fazer para que novamente adquira vida, ser porto de abrigo para novas famílias. Quem sabe de um jovem casal imbuído na ternura do amor, na esperança e na força da sua juventude forte e poderosa.
Novamente, eu seria uma casa!...

Foto e texto da Zília

5 comentários:

Anónimo disse...

Liiiiiindo, Amiga Zilia!
Muito bonito o teu texto!
Adorei a tua casinha!
Que histórias de vida não poderiam contar aquelas velhas paredes!?
bjh

Anónimo disse...

Tocou-me no fundo do coração,este teu texto Zília!
Porque na minha opinião está brilhante!
Reporta-me a uma outra CASA,com histórias longas e felizes...
Sobre a qual neste momento não me encontro em condições psicológicas para falar acerca.
Muito comovente a história dessa casa,que griiiiiita!!!....Que,quer
RENASCER...

Anónimo disse...

Um belo texto cheio de recordações, muito saudoso e nostálgico que mexe com o nosso passado, com as questões ambientais, demográficas e de desenvolvimento. Muito rico este pedaço de prosa com tanto de poesia!!!

Anónimo disse...

Gosto de imaginar as histórias das casas, principalmente quando estão em ruinas. Esta é linda e está num sítio maravilhoso, mas infelizmente está abandonada. Porquê?Alguém sabe responder?Não se esqueçam, vão vizita-la.
Obrigado pelas vossas palavras bonitas.
Obrigado pela vossa amizade

Anónimo disse...

Até que enfim encontrei-te, linda essa casinha, certamente parte da história que lá mora é minha conhecida.
Agora que te apanhei, adivinha quem sou.
Sou boazinha dou-te uma pista: algumas das tuas perdas foram tb foram minhas.