A CATEDRAL
(.....) Faltavam 2 dias para o Natal e todos ansiávamos acabar a missão e regressar ao quartel.
Ao fim de umas quatro horas abandonámos finalmente a “Catedral” e sentimos outra vez o sol brilhar sobre a cabeça. Voltaram os ruídos próprios de uma deslocação na mata, o choque do metal contra metal, o calor, os irritantes insectos, a transpiração a escorrer-nos da testa, os camuflados a prenderem nos mil picos que nos cercam e aprisionam, que nos atrasam a marcha e nos fazem soltar imprecações em surdina. Acabara o encantamento. Não encontráramos ninguém, apenas um local que havia servido ao IN, com sinais de ter sido utilizado muito recentemente, provavelmente para espiarem a nossa deslocação.
E a marcha continuou por mais duas horas, até chegarmos, extenuados, ao acampamento de trapos, aonde nos esperava a refeição quente que já comíamos há dois dias: feijão com feijão. Quisemos saber quando íamos embora, mas era informação classificada e provavelmente só o Comandante o sabia e não dizia. Ouvimos dizer que o Natal ia ser passado ali e que vinha a caminho uma coluna com abastecimentos frescos. Que desilusão!
E assim foi. O Natal de 1968 acabou por chegar, a anunciada e ansiada coluna de reabastecimento não, e a ementa da nossa ceia desse dia especial foi a mesma de sempre: feijão com feijão! Improvisámos um presépio e sonhámos com um prato a transbordar de bacalhau e batatas, coberto por couve portuguesa, no cimo e em equilíbrio instável um ovo cozido, um dente de alho a deixar-se ver como que envergonhado por entre as couves, tudo regado com azeite puro de oliveira e com um tinto da Bairrada, que na tropa até nem era mau! E regressámos a Luanda três dias depois do Natal, com barbas enormes, sujos que eu sei lá, cansados quase à exaustão, mas contentes por tudo ter corrido bem e ninguém se ter aleijado naquela missão de que continuámos a ignorar a finalidade.
Nas nossas memórias, ficou para sempre gravada aquela imponente Catedral, algures na mata do Bengo, um reino diferente, extra-terrestre, verdadeira moradia à dimensão dos Deuses, e em que todos nós tivéramos o privilégio de um dia e por pouco tempo, poder entrar… mesmo que o preço tenha sido uma Ceia de Natal de feijão com feijão!
(António Gil)
In "Palavras Maduras", excerto de um belo texto do Gil .
Publicou carolina
7 comentários:
Muito bem Carolina!!!
Gostei muito que também tu tivesses publicado (das Palavras Maduras), um exerto de um belo texto do Gil.
Parabéns para o Autor.
Um beijinho para os dois da Teresinha.
Um texto que dedico (sem conhecimento do autor, mas que estou certa concordará), a todos os que não puderam ter um Natal em Família!
Infelizmente há muitos.
A maneira como o Gil descreveu este seu Natal está linda e eu quis fazer-lhe esta surpresa.
Foi o meu presente!
;))))
OBRIGADO, Carolina, pelo teu belo presente. Foi deveras uma surpresa! E obrigado pelos imerecidos elogios, teus e da Teresinha. Considero que as duas me ofereceram flores, disfarçadas nessas palavras Amigas.
UM BOM NATAL e um ÓPTIMO ANO NOVO.
Sem dúvida um Natal tão diferente!
Como a palavra "Natal" tem tantos e diferentes significados para cada um de nós!
Parabéns ao Gil que tão bem nos fez viver "aquele Natal"!
Natal de Paz para todos.
Sem dúvida um Natal tão diferente!
Como a palavra "Natal" tem tantos e diferentes significados para cada um de nós!
Parabéns ao Gil que tão bem nos fez viver "aquele Natal"!
Natal de Paz para todos.
Quem tem mais histórias ou estórias de Natal (verdadeiras)que queira contar, aqui no blogue???
Belo repto, Laura.
Aguardemos.
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