Recolho-as à noite, por todo o lado:
a palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor.
Trato delas durante o dia
enquanto sonho acordado.
A palavra solidão faz-me companhia.
Quase todas as palavras
precisam de ser limpas e acariciadas:
a palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.
Algumas têm mesmo de ser lavadas,
é preciso raspar-lhes a sujidade dos dias
e do mau uso.
Muitas chegam doentes,
outras simplesmente gastas, estafadas,
dobradas pelo peso das coisas
que trazem às costas.
A palavra pedra pesa como uma pedra.
A palavra rosa espalha o perfume no ar.
A palavra árvore tem folhas, ramos altos.
Podes descansar à sombra dela.
A palavra gato espeta as unhas no tapete.
A palavra pássaro abre as asas para voar.
A palavra coração não pára de bater.
Ouve-se a palavra canção.
A palavra vento levanta os papéis no ar
e é preciso fechá-la na arrecadação.
No fim de tudo voltam os olhos para a luz
e vão para longe
leves palavras voadoras
sem nada que as prenda à terra,
outra vez nascidas pela minha mão:
a palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão.
A palavra obrigado agradece-me.
As outras, não.
A palavra adeus despede-se.
As outras já lá vão, belas palavras lisas
e lavadas como seixos do rio:
a palavra ciúme, a palavra raiva, a palavra frio.
Vão à procura de quem as queira dizer,
de mais palavras e de novos sentidos.
Basta estenderes um braço para apanhares
a palavra barco ou a palavra amor.
Limpo palavras.
A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra.
Recolho-as à noite, trato delas durante o dia.
A palavra fogão cozinha o meu jantar.
A palavra brisa refresca-me.
A palavra solidão faz-me companhia.
Alvaro de Magalhães
(retirado do blogue Porosidade Etérea)
Lena Almeida
7 comentários:
Que delícia...
A palavra "maravilha" deixou-me maravilhada! ... Helena Tereno
marisco
Mas que "escrito" interessante do
Álvaro Magalhães. Aqui está alguém de quem devemos conhecer os livros!
Pesquisemos!
Gostei muito das tuas palvras, um grande beijo.
Palavras que mexem a cabeça e o coração. Gostei muito.
beijinhos
Palavras, palavras ... que carga elas trazem e levam consigo! De vez em quando precisam mesmo de um limpa-palavras.Algumas mesmo com barrela nunca ficam capazes de uso.
Enfim nós somos donos das palavras por isso bem podemos lavá-las, alindá-las, renová-las e recriá-las e até metê-las no "quarto escuro" se alguma se portar mal...
Estas o vento não levou (PALAVRAS)...bonito poema! bej
Digo um dos meus provérbios, de que sou autor: as palavras são acções vazias até que alguém as sobreviva nos seus dias
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