quarta-feira, outubro 03, 2007

Florinda Carriça


Desfiar recordações
Florinda Carriça, a custo dá mais um passinho miúdo e cauteloso. Estende as vistas ao longe, mesmo cansadas e enevoadas pelas cataratas a pedir operação urgente e vê o que não querer.
-Tanto que eu trabalhei nestes campos e agora está tudo a mato e abandonado!....Tudo isto era um primor.
O que será feito dos outros? Muitos já morreram, outros foram para casa dos filhos, fechados entre quatro paredes, longe de onde nasceram e viveram. Alguns ficaram na aldeia, como eu. Gosto de estar aqui na minha terra e, sentir o cheiro das estevas, ouvir a cegarrega das cigarras e ver o voar das borboletas. Na Primavera dou sempre a boas vindas às minhas amigas andorinhas, que têm ninho no beiral da minha casinha. Muitos dizem-me que sou louca por gostar destas coisas simples e pequenas. Mas gosto mesmo a valer e, ainda bem que o meu neto Dudu também gosta , assim como a minha nora, que diz : - Aqui respira-se ar puro. Só me dói é ver e sentir o abandono dos campos, outrora cheios de vida, esperança e canseira. Trabalho duro e muita miséria, foi a minha vida.

Florindinha, Florindinha…não sejas mal agradecida, olha que sempre foste saudável, tiveste muita sorte com o homem que escolheste e o filho!....É um tesouro.
E o meu Joaquim?! Que saudades. Deixaste-me há já tanto tempo, mas estás sempre no meu coração. As recordações, as recordações!!! Meu grande maroto!!!Lembro-me muito bem, ainda namoriscaste a maluca da Bertelina! O que será feito dela? Ah, já me lembro, foi para França procurar vida melhor.
Bem! Olha chaparro, obrigado pela sombra que me deste. Já descansei, já vi os campos, devagar e com muito cuidado, vou para casa. Deve estar na hora das raparigas do Centro de Dia, presentearem esta velhota com um rico almocinho.

Zjesus
18-08-07


(Texto da nossa Zília)

(Publicou carolina)



9 comentários:

Anónimo disse...

Querida Zilinha:
Lindo o teu texto, como nós conhecemos esta realidade.
Beijinhos.

Anónimo disse...

Sempre lindos os textos da prima Zília!

Jelicopedres disse...

A tua visão dos factos,é muito especial Zília!
Tem um não sei quê, que sempre me enternece. Demais!!!
(melhoras do joelhinho maroto)

Anónimo disse...

Com estes teus textos, fazes com que eu naõ consiga desviar os olhos da realidade (desta e de mtas e dás-me coragem para me mobilizar para fazer o bem.Obda amiga.Silvana

lami disse...

Zília, surpreende-nos sempre com o que escreve e a forma como escreve!
Ficamos uns momentos na presença da Florinda, a ouvi-la , a ver a sua fragilidade e ao mesmo tempo a sua força e a sentir a solidão imensa dos campos, o ar puro e selvagem!

manadomeio disse...

Olá Zília
Dia a dia fazes progressos na tua escrita. Parabéns. A tia Florinda Carriça representa o olhar enevoado pelos anos, mas atento, de todos aqueles que vivem e amam a realidade do nosso Alentejo.

Anónimo disse...

Olá mana do meio,Bia dos Santos e amigos da Asas. Agradeço a todos o carinho muito especial que dedicaram à minha Florinda Carriça. Pura ficção, mas onde é retratada a solidão e o apego à terra, principalmente muito forte, quando se entra na velhice. Gostei de criar esta simpática Carricinha e, de um dia ser como ela,calma e serena, com capacidade para entrentar a solidão e o peso dos anos.
Beijos.

Carolina disse...

E serás certamente (daqui a muiiiitos anos), uma velhota simpática e serena, nas suas passeatas de máquina fotográfica na mão, as perninhas nas piscinas, os pezinhos nas danças de salão e a cabeça cheia de histórias bonitas e ternurentas!

Anónimo disse...

Muito bonita esta senhora ! Frorinda Carriça, a nossa querida Zília está sempre a nos surpriender para o positivo, com estes lindos textos, um bj, e as melhoras dessa pernita 1