“há predisajens com o xão” (2002) de ONDJAKI
estória para Wandy
quero dizer-lhe: muitos mais velhos começam assim uma estória: «era uma vez...» nós começaremos em mais crença: é uma vez uma menina que sabia uma estória. essa estória não era verdadeira, mas de tanto acreditar nela, a coisa se revoltou para averdades. era uma estória muito simples: que uma menina tinha contagiado toda a natureza com seus soluços, e que o universo todo vivia assoluçadamente, embora quem nele vivesse nunca tivesse notado. como a menina trouxera a estória para o mundo, já toda gente sabia e sentia seus soluços. essa toda gente veio falar com a menina: a única cura é a muita água!, agora nos regue devidamente – exigiram. a menina nunca tinha regado pessoas nem mundos, só árves e pulantas; e ficou triste. de triste que estava, chorou. da choradeira caíram as tantas lágrimas. da tanta inundação é que as pessoas do mundo deixaram de soluçar umas nas outras.
se não me põe crenças, queira explicar: porque o corpo humano, em sua maiorinterna percentagem, é composto de águas?
[enquerendo conhecer a outra vertente desta estória, procure Lueji]
estória para Lueji
é uma vez uma menina de muitíssimos soluços. tantos, que precisava de intervalo de soluço para respirar. não brincava a menina, pois tinha era que fazer medições pulmonares a fim de calcular inspira e expirações. para dormecer, era necessário pedir alguém soluçasse por ela, só assim ela se entregava a sonho sem sobressalto de peito. essa menina tinha um jacó: de tanto imitá-la, o jacó ganhou vício de soluçar, quase-quase igual nela. a menina tinha uma flor: um dia tocou na flor num momento assoluçado, pelo que a flor ganhou solucências também. um dia, uma abelha pousou na flor, e assim seu voo ficou abrupto de soluços. essa abelha pousou num lago, e tanto peixes como montanhas, já ninguém sabia de viver sem assoluçar. foi assim que o mundo se tornou ele próprio um soluço em todo o universo. hoje – desconto-lhe esse segredinho só para si – já ninguém nota isso porque a terra contagiou uns tantos planetas: o todo universo se soluça constantemente. assim, dividindo essa enorme soluçada, ninguém sabe que todos vivemos em saltitados assoluçamentos.
se não me põe crenças, queira explicar: porque vive o sol em tanta e tão amarelada sede?
[enquerendo conhecer a outra vertente desta estória, procure wandy]
Lena Almeida